A história do garoto que vendia carne na rua, no interior do Ceará, e se tornou um gigante do aço sem abrir mão do talento para calcular custos e benefícios, no trabalho e na vida.
Vilmar Ferreira, 65, comanda uma empresa com faturamento estimado para este ano de R$ 1,9 bilhão e meta de atingir R$ 2,4 bilhões em 2017. Tem cerca de 4 mil funcionários e atua em todo o País. Deve fechar 2016 faturando 705 mil toneladas de aço ( 5% importado). É líder no Norte e Nordeste. Ao todo, o Grupo Aço Cearense possui cinco unidades: Aço Cearense Comercial (CE), Aço Cearense Industrial (CE), Sinobras Siderúrgica (PA), Sinobras Florestal (TO) e Instituto Aço Cearense (CE/PA/TO). Foi um golpe de sorte. A foice que fez sua perna sangrar aos 15 anos acabou por antecipar aquilo que decerto iria ocorrer mais adiante. O menino Vilmar, de Marco (CE), encerrava ali sua lida na roça para nunca mais voltar. Decisão do pai, uma voz sagrada para ele também no momento em que acabou por deixar a venda de bebidas e iniciar a migração para o aço, décadas depois. Nos primórdios, deixou a agricultura para já virar comerciante. Matava e vendia sozinho um porco, aos pedaços. Já aplicava o talento para fazer contas e praticava um raciocínio básico para tudo o que faz na vida até hoje, à frente da Aço Cearense, líder no Norte e Nordeste em siderurgia e distribuição: custo e benefício. Nesta entrevista, gravada na sala dele, na sede da empresa, durante cerca de 1h30min, ele fala da biografia, da conjuntura e de sonhos. Os sonhos mudaram e ele tem uma filha como sucessora.
O POVO – O senhor é conhecido como um empresário low profile. Não gosta muito de aparecer e é muito discreto nas relações. O que o levou a aceitar esta entrevista?
VILMAR FERREIRA– Olha, primeiro a gente tem que ter bom relacionamento com as pessoas, principalmente com a imprensa, procuro contribuir muito com a sociedade. A imprensa esclarece. Acho bonito o trabalho da imprensa e acho bonito a gente colaborar.
OP – Pelo tamanho que seu negócio adquiriu, em que medida o seu tino comercial lá do começo ainda influencia nas decisões?
VILMAR – Eu digo que o profissional já nasce profissional. E muitos profissionais não se dão bem em um segmento apenas. A gente tem que acreditar, a gente tem sido determinado. Principalmente quando vem do sertão, sem estudo, quando começa a fazer sucesso na área empresarial. Isso empolga, principalmente com meu espírito. Eu agora estou aprendendo o Nós. Porque muita gente defende só o Eu. Muita gente bota um político para defender o seu setor, sua classe. Acho extremamente desleal consigo mesmo. Acho que a pessoa pra ser leal tem que olhar pra sociedade, olhar pro outro e até porque quando você tem competência, capacidade ou é abençoado pra viver melhor, por que não pensar nos outros? Você já se garante então vamos pensar nos mais fragilizados. Essa filosofia que me dá energia pra ser empresário, empreender, gerar renda, gerar imposto pro governo também. Nós somos os maiores arrecadadores de impostos no Ceará. Federais. Estaduais nem tanto porque tem benefícios.
OP – Como o senhor tem enfrentado mais esta crise econômica?
VILMAR – Isso tem me doído, machucado tanto. Uma crise política pela ganância pelo poder. O que está em baixo querendo derrubar quem está em cima e quem paga é a sociedade. A sociedade não entende muito, não acompanha muito o que é uma economia, o que são os índices econômicos. Hoje é uma luta minha é que vocês jovens se interessem para ver a realidade dos fatos, para não ficar iludido por alguém que divulga seus interesses contraditórios e gerar uma crise tão grave como foi gerado nesses últimos três anos.
OP – O senhor é um dos empresários que acreditavam naquele modo petista de governar no começo quando estava tudo bem?
VILMAR – Eu não só acreditei não, continuo acreditando, não num modelo econômico petista, mas em qualquer modelo econômico e qualquer partido que tenha um modelo que gere emprego e renda e que seja bom para todos. Uma das coisas que eu queria que a sociedade entendesse e que os empresários entendessem é que nós dependemos muito do trabalhador. O trabalhador consome 100% do que ele ganha. Ele não poupa. Nós empresários, pessoas que ganham bem, não gastamos 5%, 3%, 10%, 15%, 20%. A gente tem que ter essa consciência de trabalhar para aquele que consome mais. Por que nossa economia cresceu nos últimos anos? Por que eu defendo esse modelo econômico? Primeiro: aumento real de salário, que eu defendo há mais de 30 anos. Eu defendo uma moeda forte. País com moeda forte é país com credibilidade. E sempre que a moeda foi forte nós crescemos, a inflação foi fragilizada. O que fragiliza a inflação é moeda forte. Você viu o exemplo de março pra cá. De março pra cá a moeda começou a fortalecer, a inflação começou a decrescer. Em setembro tivemos inflação próxima de zero, em 0,8%. Não concordo com o governo querer fragilizar a moeda para poder exportar. Isso fragiliza o Governo também, porque geramos desemprego muito grande, inflação, como aconteceu de dois anos pra cá, com a moeda desvalorizada. Tudo é dolarizado, tudo que você importa é em dólar. Você vê que um pãozinho que custava X reais quando a moeda estava valorizada dobrou de três anos pra cá. Então e agora podia estar caindo mas o empresário segura um pouquinho, segura o preço mais alto, porque o empresário quer ganhar dinheiro e aproveitar as oportunidades. Passei por Itapipoca outro dia. Antes naquelas praças era muito jumento e bicicleta, hoje você vê motos e carros. Vi uma pesquisa em que cidades abaixo de 6 mil habitantes tiveram crescimento de 150% a venda de veículos, enquanto em cidades como São Paulo,acima de 10 milhões de habitantes, cresceu apenas 6%. Pobre passou a comprar geladeira, fogão, carro, moto. Não defendo corrupção, não defendo a coisa antiética mas também não vou na onda de especulações pra derrubar um modelo econômico que está bem.
OP – O senhor não compactua com os escândalos que envolvem o governo que foi afastado, mas teme um retrocesso?
VILMAR – É uma realidade. O governo foi deposto com uma pedalada fiscal, um déficit fiscal de R$ 40 bilhões. Este ano foi aprovado um déficit de R$ 172 bilhões, quatro vezes a mais e o Congresso aprovou. Foi uma falha do governo anterior não ter aprovado os R$ 40 bilhões, que ela (Dilma Rousseff) não tinha levado o País pra rua e prejudicando a sociedade toda, ao pagar um preço tão alto. O que acontece? Esse ano já foi R$ 172 bilhões. Parece-me que R$ 172 bilhões não vai dar, a imprensa está dizendo que não vai dar, que é mais de 400%. Você vê que em 2013 o governo gastou R$163 bilhões com juros, esse ano vai gastar mais de R$ 600 bilhões, mais o déficit fiscal que vai pular para quase R$ 150 bilhões, que em 2013 foi R$ 40 e poucos bilhões. Ou seja, em 2013 o déficit da Previdência foi 0,96%, contra 3,8% em 2002. Veja quanto o déficit da Previdência caiu com a economia crescendo. Eu tenho tantos dados que depois quero até divulgar, no próximo ano. Estou fazendo um trabalho com dados econômicos. Em 2013 chegamos ao auge da pujança econômica do Brasil, a menor taxa de empregos desde que começaram a medir. A Selic mais baixa, desde quando foi criada a taxa. Estava tudo muito bem, aí simplesmente nossa presidente deu a louca de se influenciar pelas especulações negativas pelo governo, ela aceitou e a sociedade está pagando, o setor produtivo está pagando.
OP – O senhor não acha que os remédios amargos, antipáticos são necessários neste momento?
VILMAR – Não resta dúvida que os ajustes são necessários, mas não poderíamos pagar tão caro pelos ajustes da forma que pagamos, porque não foram só os ajustes. Foi ajuste e desajuste. Porque fizeram ajuste por um lado e desajuste mais pro outro. O ajuste começou ainda no governo Dilma, com o Levy (o ex-ministro da Fazenda Joaquim Levy). Só que o Levy fez uns ajustes por um lado, positivo, e o negativo foi absurdo, o efeito em cascata negativo que gerou o desajuste também. A Selic alta demais, moeda desvalorizada demais. Nisso foi que perdemos a credibilidade, o setor produtivo deixou de produzir para poder aplicar dinheiro. Quem tinha dinheiro e quem não tinha estava quebrando e gerou esses milhões de desempregos. Em 2014 quando eu vi a loucura, essas especulações, muitas mentiras exageros, que eu vi que o brasileiro tava em crise, fiz duas publicações no Valor Econômico, gastei bastante dinheiro para fazer as publicações.
OP – Gastou dinheiro como?
VILMAR – Pagando. Paguei o Valor. Uns R$ 300 mil numa publicação, R$ 200 mil em outra.
OP – Anúncio?
VILMAR – Sim, anúncio. Para mostrar o que ia acontecer no Brasil com aquele modelo econômico que o mercado estava especulando. Aquele modelo que está especulando eu falei: subir juros, ou seja, desvalorizar moeda para combater inflação, para se exportar, gerar emprego, aquilo é uma aberração, um absurdo aquilo dali. Pelo contrário, gerou desemprego, porque subiu juros para combater uma inflação de 5,7%, que pulou pra 11%, 12%. Aquilo pra mim era claro, que era desvalorizar moeda é inflação, é sangue na veia. Olha a contradição: você desvaloriza moeda para combater inflação e sobe juros para criar processo recessivo para combater inflação. O que aconteceu? Um neutralizou o outro? Pelo contrário, foi efeito em cascata negativo, a inflação subiu mais ainda, gerando todas esse efeitos em cascata negativo que estamos vivendo hoje. Então foi uma loucura aí eu fiquei desesperado. Fiquei decepcionado com meus colegas do setor produtivo que não enxergaram isso. O setor financeiro ficou aplaudindo porque era tudo que eles queriam para ganhar dinheiro. Isso gerou essa situação toda, esse estresse todo que estamos pagando no mercado por isso.
OP – Há um desejo entre os empresários de que o governo deveria interferir menos na economia, deixando o Banco Central mais autônomo. O senhor defende moeda mais forte, juros mais baixos…o senhor acredita que o Governo deveria interferir?
VILMAR – Olha, eu devo interferir nos meus diretores da minha empresa. Se meu diretor está fazendo alguma coisa errada, ou seja alguma coisa que não é saudável à empresa, eu interfiro. O que é o presidente? O presidente é para interferir naquilo que está trazendo mal para a sociedade. Se ele não tem competência, o povo tem que entender e cobrar dele. Então se você vê um ministro, um presidente do Banco Central fazendo uma coisa que vai gerar um estresse para o mercado, ou seja o setor produtivo…Porque quem gera riqueza é o setor produtivo. O setor financeiro é de suma importância, para suprir, para financiar. Mas tem que financiar com juros competitivos. Nem falo dos juros da Europa que são negativos, juros dos EUA, que são baratos, mas aqui a gente está com juros reais de 14% de Selic, isso é juro de 14% reais, e isso 14% reais não existe nem 1% na Europa, nem 1% nos EUA. No Brasil de junho para cá com juros reais de 8%, isso não tem economia no mundo que sustente isso, que cresça dessa forma. Então aí o governo tem que interferir, aí realmente se ele não interferir ele não está defendendo a sociedade. Não está defendendo o trabalhador. Isso é um absurdo, sinceramente, a sociedade tem que entender isso, tem que acompanhar.
OP – Ao enxergar antes a crise o senhor teve tempo de preparar a empresa para enfrentá-la?
VILMAR – Eu não acreditei que a presidente fosse ser tão, eu diria, ingênua, sei lá, para aceitar o que ela aceitou. Porque eu acreditava que ela queria ganhar as eleições e ela voltava, tanto que eu cheguei a votar nela, porque eu tinha votado no primeiro mandato dela. Nunca votei no Lula, mas dessa vez eu votei nela porque eu acreditava. Até cheguei a falar com ela no ano passado quando ela esteve aqui. Mas é claro que ela já estava deteriorada, psicologicamente arrasada, não tinha mais equilíbrio emocional pra nada, então o erro dela foi a fragilidade dela que era tão forte, mas se fragilizou demais. Mas eu sabia que ia acontecer, por conta disso eu não acreditava que essa crise ia chegar aonde chegou. Eu achava que o setor produtivo não ia permitir, ou seja, ia dar um grito, mas me parece que o setor produtivo está iludido ainda com o novo governo ainda, mas vamos ver agora.
OP – O senhor está tranquilo?
VILMAR – Desde abril, quando a inflação começou a cair eu tive contração de parto. Pedindo e rezando. Não só por mim e pela minha empresa, mas pelos empresários que estão quebrando o Brasil, que estão definhando o Brasil. Quando eu lembro que tem milhões e milhões de pais de família pagando o preço, mães desesperadas, crianças saindo da aula porque o pai não pode comprar um livro, isso me dói muito porque eu sou uma pessoa extremamente humana, além de religioso. Isso me deixa nervoso. Intranquilo.
OP – O senhor acredita que o impeachment foi bom ou ruim pro País?
VILMAR – Tem uma coisa boa. Se a sociedade entender, conhecer a verdade, foi bom. Foi bom pra quê? Para diminuir a corrupção. Acredito que daqui pra frente a corrupção realmente vá ter limites. No mundo inteiro existe corrupção, mas no Brasil abusaram muito nos últimos anos. A corrupção não foi só num partido. A sociedade que tem conhecimento dos fatos, sabendo o que foi o motivo da crise. Se você vê os índices de 2013 e vê 2014 para cá definhando, definhando. Foi um excelente trabalho que a imprensa fez, Ministério Público, Polícia Federal. Aliás, não podemos deixar de entender que a presidente Dilma também colaborou com isso também. Porque em nenhuma hora ela interveio para parar a Lava-Jato, e ela viu colegas dela indo pra cadeia, pessoas do partido dela sendo denunciadas.
OP – O seu discurso sobre o governo do PT, da presidente Dilma, é mais brando do que o que a gente costuma ouvir entre o empresariado cearense. Inclusive votou nela na reeleição. O senhor se sente meio sozinho entre os seus colegas empresários?
VILMAR – Não só os colegas, até meus filhos, até meus diretores aqui, até de casa, eu me sinto só (risos). Agora já estão me ouvindo, já estão conseguindo me ouvir. Mas a força da mídia é muito forte, por isso que ela é importante, porque ela é forte demais e as pessoas acreditam mais na mídia, só que eu trabalho com fatos, eu analiso os fatos, eu não olho, não me envolvo com especulações.
OP – Por falar em preço alto, a gente sabe que a Aço Cearense é uma empresa muito sensível a variação cambial. Este foi o pior momento da história dela?
VILMAR – Olha, essa pergunta é oportuna porque realmente nós sofremos um golpe em 2014 e 2015 por causa da desvalorização da moeda porque nossa dívida é muito em dólar, mas hoje a nossa dívida é mais em Real. Nós também temos uma siderúrgica, mais de 50% do nosso aço, enquanto a moeda é mais desvalorizada o aço sobe mais o preço. Então eu não sou suspeito em defender a moeda mais valorizada. Principalmente de dois anos pra cá que a minha dívida passou a ser 80% em Real. Outra: nós temos essa siderúrgica que o setor do aço busca uma moeda desvalorizada. Só que é um equívoco. Primeiro o governo não arrecada, você não exporta. O Brasil não é competitivo pra exportar aço, então, e mesmo que exportasse, para o governo não é interessante porque o governo não arrecada imposto com exportação. Arrecada é com consumo interno e é consumo interno que gera emprego, riqueza. É nele que todo mundo sai ganhando, trabalhador e o governo também. E o governo é sociedade, vocês sabem disso.
OP – Foi o pior momento na sua história?
VILMAR – Não, foi não. Passei várias crises, a gente já passou por várias crises e todas a gente superou.
OP – Muitas empresas recorreram à Recuperação Judicial (RJ), mas vocês não chegaram a tanto. Embora tenha dialogado com o mercado, conversou, usou sua credibilidade. Como o senhor agiu quando se deparou com essa crise terrível. Podemos chamar de RJ informal?
VILMAR – Não, eu não fiz RJ informal. Não fiz. Primeiro RJ você não paga juros durante tantos anos, estamos pagando juros normalmente. Vou te falar o que é meu espírito, o que eu aprendi e o que eu parece que já nasci com isso, não sei: a coerência e a justiça. O que é meu é meu, o que é dos outros é dos outros. Então o do governo é do governo, o do meu credor é do meu credor. O maior patrimônio que nós temos não é o físico, não é vender quase um milhão de toneladas como nós vendíamos como foi em 2014 e 2015 e nem, ou seja, e o volume de faturamento, que você sabe que nossa empresa é uma das maiores do Ceará. O maior patrimônio nosso não é o físico, é a credibilidade. A minha credibilidade, a nossa, a minha equipe, uma equipe que veste a camisa, que dá o sangue por essa empresa. Preparada, uma equipe de 35 anos que essa equipe dá essa sinergia, essa energia e gera pra gente uma força num momento desse você não se fragiliza. Tira sangue das veias, tira leite de pedra como eu falo e a gente sai, mas a credibilidade é muito importante. Foi a credibilidade de mais de 50 anos de empresário desde que comprava ovos lá no interior, matando bode às 5 horas da manhã com 15 anos de idade. Eu saía vendendo em um jumento. A gente criou essa estrutura e essa estrutura hoje tem como o mais importante a credibilidade, junto ao cliente e junto ao nossos credores. Nosso credor acredita na gente.
OP – A Aço Cearense é uma grande empresa e que nos primórdios pelo menos era muito atacada pelos grandes grupos do aço. O senhor se considera hoje um player desse clube de siderúrgicas?
VILMAR – Não, hoje é muito normal. Houve no passado. Nós passamos uns 30 anos sofrendo. Não 30 anos, os primeiros 6 anos foi só ou seja só eu diria muito agradável os primeiros anos. Mais beijo. Depois muito mais tapas, quando passamos a concorrer com os próprios fornecedores. A gente passou a incomodar, cresceu muito nos seis primeiros anos e nesse crescimento incomodou os grandes. Na época tinha muitas estatais no Brasil, então elas foram me ajudando, as empresas de aço privadas começaram a se incomodar e me apertaram, jogaram milhões pela janela. Foi muitos milhões que jogaram pela janela, mas tinha as estatais. Deixaram de ser estatais, foram privatizando então a situação foi complicando. Qual foi a nossa atitude que ajudou a gente a crescer mais ainda? Foi passar a importar. A importação, sair do mercado interno. Como tinha muitas barreiras no Brasil para importar e a gente quebrou todas as barreiras, isso foi o nosso sucesso.
OP – Este foi o grande incômodo.
VILMAR – Foram milhões, eu diria que foi bilhões jogados pela janela. Eu não vou dizer muitos bilhões, mas foram alguns bilhões, corrigido o preço de hoje sim.
OP – Jogar pela janela porque eles fizeram dumping para brigar?
VILMAR – Baixaram preço, não me atendiam aqui no mercado interno, concorriam comigo para sufocar. Mas isso me deu energia. Agora também muita fé em Deus. Eu não tenho nada que eu não faça através de orações e acreditando nas minhas orações. Minhas orações são durante a noite, de madrugada, durante a noite, de manhã, a caminho do trabalho, chego aqui está aqui meu santuariozinho aqui, aquele ali ao lado é social, troféus, não sei quê, encomendas, mas…
OP – O senhor reza aqui?
VILMAR – Um pouquinho de oração aqui todo dia quando eu chego, tem um pouco de água benta aqui. Tudo isso aqui eu ganhei, eu prezo muito isso aqui. Tem uma oração aqui, Oração do Divino Jesus. Esta oração há mais de 20 anos eu anotei aqui. Toda vida que acaba a velinha eu troco. Eu tenho uma oração que eu aprendi num sonho uns 10 anos atrás. Por coincidência uma pessoa pegou no meu livro, essa oração, eu aprendi num sonho.
OP – O senhor sonhou com esse texto?
VILMAR- Não, eu estava num sonho com medo de cruzar uma pessoa do Interior. Algo me dizia assim: meu Jesus, eu confio em vós, estou salvo pela graça de Deus, em nome do pai, do filho, do Espírito Santo. Aí botei no livro, há seis anos minha mulher fez um livro com minha história e botei essa oração no livro. Uma gerente de um banco no meu aniversário do ano passado chegou com um presente pra me dar, eu pensei que era um livro, aí quando eu vi era essa oração nesse quadro. Eu achei uma coisa, um recado.
OP – Ela não sabia que o senhor tinha sonhado?
VILMAR – No livro dizia. Mas ela encontrar no livro, por que não me deu um livro, outra coisa? Ela me deu esse quadro, me deu o quadro…
OP – O senhor continua nesse banco até hoje?
VILMAR – Não, eu vou em todos os bancos (risos). Mas o importante é que eu continuo rezando essa oração várias vezes ao dia. Isso é o importante.
OP – O senhor é o símbolo do cearense trabalhador, que não cresceu às custas de contrato público, etc. Cresceu por conta própria. Queria que o senhor contasse essa história.
VILMAR – Eu fui uma criança de pais muito pobres em Marco (Zona Norte do Ceará) com 13 filhos…
OP – Viviam de quê eles?
VILMAR – Da agricultura. Da agricultura e até oito filhos meu pai deu pra sustentar razoavelmente os filhos, aí chegou a seca do 58 (1958), eu tinha oito anos, sou de 50 (1950), então a seca levou dois terços das economias dele, um gadinho, pouco que ele tinha, ovelhas, esse negócio de criações. Eu com11 anos já não concordava com meu pai por plantar mandioca. Eu com 11 anos já sabia fazer avaliação. Mandioca ela só colhe com dois anos, e o custo era muito alto. Quando eu fazia esse cálculo mais ou menos, que mandioca custava mais pra colher do que quando ia vender a farinha, não compensava. Eu sempre fui muito bom com matemática. Minhas notas eram as melhores. Eu sempre fui o melhor aluno de matemática.
OP – O senhor estudou até que ano?
VILMAR – Até a sétima série, que é o segundo ginásio na época. Até faço uma brincadeira porque meu professor de matemática um dia botou um problema pra gente resolver e ninguém acertou. Aí quando ele disse que falou o problema, eu me convenci que tava certo porque era o professor, mas aí eu chamei um colega meu, que era até irmão dele e eu disse: “meu problema está certo, o professor Airton não está certo não”. Aí ele se convenceu. Nem o professor acertou o problema e eu acertei, e isso foi pra sacramentar aquilo que eu sou convencido. Eu fazia muita conta de cabeça, então acho que meu raciocínio é muito bom, para falar eu sou péssimo pra falar. Meu raciocínio é muito rápido, mas pra externar eu tenho muita dificuldade.
OP – Quando o senhor deixou a roça?
VILMAR – Aos 15 anos eu estava na roça, inclusive com meu pai, com uma foice roçando, quando a foice escorregou da minha mão, porque tinha o orvalho da manhã, às 9h30min. O cabo liso escorregou e cortou minha perna. Jorrou muito sangue, meu pai fez um torniquete e me botou no braço. Pronto, meu irmão, é por isso que eu sou religioso e meu pai muito religioso também. Ele disse: “Nossa Senhora te abençoe e nunca mais te mando pra roça”. Tudo aconteceu porque meu pai estava apertado na época. Ele sempre vendia um cavalinho ou vaquinha para pagar as contas. Eu tinha uma vaquinha que meu padrinho me deu quando eu era criança, me deu uma bezerra e virou uma vaquinha e alguém queria comprar essa vaca. Ele vendeu essa vaca e me deu o valor da vaquinha mais ou menos de um quarto da vaca, uns R$ 1 mil hoje possivelmente. Com esse dinheiro eu comecei a comprar ovo de galinha, um bode, um porco. Eu com 15 anos matava um porco sozinho, cortava os pedacinhos, 1 kg, 2 kg, botava num jumento e saía vendendo.
OP – Com aquelas caixas do lado?
VILMAR – É, cambito. Ou caçuá, como chamavam. Eu saía vendendo num raio de 8 km. Já sabia quem comprava, quem gostava do fígado, da cabeça do porco, quem gostava da fuça e saía vendendo. E comprando surrões, ovos de galinha, o que eu podia comprar. E vendia na cidadezinha. Eu morava a 2 km da cidadezinha. E aí foi aí que eu comecei a criar uns porquinhos, fazer uma economia. Com 18 anos eu vendi meus porquinhos, paguei as contas do meu pai e vim pra Fortaleza para procurar um emprego.
OP – Tinha família aqui?
VILMAR – Tinha uns primos. Aí o primo da minha mãe me deu um emprego. E esse primo da minha mãe tinha uma mercearia. Ele não tinha emprego pra me dar, mas ele coincidentemente tinha três funcionários e um tinha pedido pra sair de férias naquele mesmo dia. Aí disse: “se você quiser tirar as férias dele… E quanto você quer ganhar? Eu te pago alguma coisa?” Eu: “não, eu não quero ganhar nada, eu só quero trabalhar”. Então eu comecei a trabalhar. Com dois a três dias ele começou a me chamar de Pimenta, porque quando chegava um cliente eu corria pra atender. Daí quando o outro colega voltou, tudo bem. Voltou mas não me dispensou. Pelo contrário, aí eu virei gerente dele, mas ele me passou a pagar 10 cruzeiros.
OP – Morava lá mesmo na mercearia?
VILMAR – Morava lá, passei um ano e seis meses morando lá. Onde é a Leste Oeste hoje, ali perto do antigo IML, rua Braga Torres, não lembro o número. E ele morava na rua Senador Alencar, meu patrão. Então eu carregava trouxa de roupa, com 18, 19 anos. Pegava trouxa de roupa suja da Senador Alencar na cabeça pra levar pra a lavanderia dele. A pessoa fazia feira e eu ia entregar com os colegas na cabeça as caixas. Onde é hoje o Marina (Park Hotel), alia era prostituição a gente entregava ali. Eu ganhava só um terço de um salário mínimo. O salário custava 123,80, mas só pagava um terço do que tava na carteira e eu aceitei. Com seis meses eu virei gerente dele, ele não aumentou o salário, nunca pedi, nunca diminuí também meu potencial de trabalho, minha responsabilidade. Quando comecei a dormir lá as sacas era um metro e meio de altura. Quando eu saí já tinha feito a reforma, no teto nossa rede ficava junto com o teto, acordava 5, 6 horas da manhã e só fechava 8 da noite, ou seja trabalhando 10, 15 horas por dia. Então fui ao Interior um ano e seis meses depois. Pedi permissão pra vender uma vaquinha que eu tinha deixado lá. Meu irmão mais velho tinha economia maior que eu porque eu sempre ajudava meu pai e meu irmão não ajudava tanto. O que aconteceu, nós nos juntamos os dois e montamos uma merceariazinha no morro. Tinha muita prostituição e a gente conviveu, mas comecei a trazer minha família pra cá. Meu irmão rachou a sociedade comigo, ele não queria mais trabalhar comigo. Daí eu fiquei só trazendo minha família pra cá.
OP – Por que não deu certo?
VILMAR – Um dia ele ficou chateado comigo, porque eu fui ao Interior a contragosto dele, ele era irmão mais velho. Quando cheguei a sociedade tava apartada, aí eu comecei a trazer a família. Quem tinha dinheiro para botar um negócio botava o seu. Alguns cunhados e alguns irmãos mais novos ficaram tudo comigo e então veio uma crise que foi exatamente quando a Leste-Oeste foi feita e levou minha clientela. Quando eu vi, tinha ido à falência. Deixei meu pai cuidando da mercearia e botei um depósito de bebidas a duas quadras aqui da Aço (em frente ao Mercado São Sebastião, na Bezerra de Menezes). Estou aqui nesse mercado desde 1975. Hoje estamos com 41 anos já aqui nesse mercado e no ramo do aço 37, 38 anos.
OP – E como foi que a bebida virou aço?
VILMAR – Lindo, bacana foi essa passagem da bebida. Porque bebida foi para salvar a situação, porque quando eu vi que a coisa não tava dando, eu soube que tinha o pessoal de bebida que ganhava um dinheirinho, então como meu dinheiro é pouco não dá pra botar negócio grande, vou vender bebida. Aí botei esse negócio de bebida, mas com quatro meses já estava bem. Simplesmente sofri um acidente que quebrei bacia, fratura, braço, clavícula e passei quase três meses no hospital, aí quando voltei o médico disse: “você vai pra casa e ainda tem que descansar um mês”. Mas quando cheguei ao depósito de bebida que minha irmã tava cuidando, uma menina de 16 anos, e dois funcionários já tinham depenado o depósito, não tinha nada. Um título no cartório que era uns R$ 3 mil hoje, então eu tive que fazer empréstimo no banco. Um irmão meu avalizou esse empréstimo, mas aí sim, quando eu vi essa situação eu não passei um mês, passei só um dia sem trabalhar. Peguei minha Kombi, que estava parecendo um maracujá, e rodei a rua comprando bebida, vendendo cerveja, então pronto. Foi um sucesso, mas não tão grande assim. Em 1979, depois de quatro anos, a gente tinha patrimônio de US$ 50 mil, foi quando mudei o ramo do aço. Foi a segunda parte melhor da minha vida. Primeiro ele tinha dito Nossa Senhora abençoe, nunca mais te mando pra roça, quando eu tinha 15 anos. Nesse dia fui fazer visita ao meu pai, já estava casado, em 1979, tinha filho já e ele disse: “meu filho, não estou satisfeito isso você vender bebida, porque bebida faz mal ao homem”. Isso foi lindo. Aí aquilo eu recebi como uma ordem, uma semana eu tava alugando um ponto vizinho uma quadra de onde eu estava e abri um depósito de material de construção. Em uma semana analisei tudo vi que era um negócio bom. Mas aí um colega meu de bebida, concorrente, disse “Vilmar, por que tu não bota aço? Esse homem botou há dois anos e ta rico”. Eu não sou de pegar corda,de me influenciar com os outros não, mas aquilo me pegou assim parecia uma bênção mesmo, encaixou, então passei a vender aço.
OP – E como foi que o senhor conseguiu migrar?
VILMAR – É uma história bonita também. O pessoal da Gerdau (multinacional brasileira do setor, com sede em Porto Alegre-RS) não podia mais abrir cliente. Eu procurei o representante e ele disse: “não, nós estamos proibidos de abrir clientes novos”. Então fui ao Recife, botei tudo que eu tinha numa capanga, vendi o depósito, uns US$ 50 mil, já tinha alugado o ponto, com o nome Ferro OK. Por que esse nome? Porque na época tinha Pneus OK e na época fazia muita propaganda de televisão, eu queria pegar carona no Pneus OK.
OP – Que depois incendiou.
VILMAR – Pois é. Depois de um tempo incendiou, mas o Ferro OK ficou. Aço não pega fogo, então fui mais feliz (risos). Mas achei o nome ainda fraco, então mudei para Aço Cearense aí tive essa ideia, porque no Brasil tudo era Ferro, Ferro Norte não sei quê, então fui a ideia que aço é mais forte que ferro, botei Aço Cearense, foi um sucesso até hoje.
OP – O senhor na verdade na essência é comerciante. Este seu tino comercial o senhor considera o seu maior atributo profissional?
VILMAR – Acho que é, o custo-benefício. Fazer cálculo. Isso é importante. Você primeiro ter determinação do que faz, tudo que faz. O empreendedor é como qualquer tipo de profissional, tem que gostar, ter determinação no que faz, procurar sempre fazer melhor e conquistar o espaço dele. Então o jogador de futebol, é assim o artista plástico, médico, advogado que chega a ser famoso. Eu queria ser famoso não só por mim pela minha família, mas pra ser útil à sociedade e foi isso o meu forte. O meu raciocínio é muito aguçado e em matemática também raciocino muito rápido, então fui fazer o custo-benefício. Um dia quando fui botar a indústria, minha primeira, um amigo meu disse: “tu é muito bom em comércio, tá se destacando, todo mundo elogia, indústria tem nada a ver com comércio”. E eu: “não, pra mim é só agregar mais um serviço, porque é só agregar. Vi o custo é bom, então pra quê que eu não vou fazer?”. É só agregar o serviço à matéria prima, produzir e ver qual o lucro. Foi nisso que me dei muito bem.
OP – Como o senhor reconhece os “Pimentas” da sua empresa? Gente talentosa como o senhor os identifica?
VILMAR – No dia-a-dia a gente identifica os filhos da gente, a gente sabe quem são os filhos da gente, os amigos, sabe quem é quem, então é isso, quem está aqui pode considerar quem é os pimentas, porque se não fosse não estaria aqui. É claro que a gente às vezes quando a empresa cresce, como chegou a 4.800 funcionários como ano passado, é difícil conhecer todos, mas há sempre a equipe conhece.A equipe parece muito com você. Você aprende muito com a equipe, eu aprendo muito com meus funcionários, com operários, com pessoas humildes, porque isso é o mais importante. O que eu digo: a gente só é competente reconhecendo limitações. Eu tenho limitações aqui que e tem operário aqui que dá de chinelo em mim. O nosso vice-presidente (Ian Correa) é fera. Colaborou muito com nossa empresa, então ele trouxe uma energia muito grande para fazer a fazer governança da empresa. Quando eu montei a Sinobras (siderúrgica em Marabá – PA) eu montei e fiquei desesperado por ser distante. Não podia deixar a Aço Cearense pra cuidar da Sinobras, então foi quando ele foi contratado. Ele ajudou muito na profissionalização da empresa. Aos poucos você vai reconhecendo o mais fraco e vai tirando. Hoje, graças a Deus, eu diria a você que só tá faltando dinheiro mas é uma empresa bem profissional.
OP – A sabedoria popular diz que não deve contratar quem você não pode demitir. Como o senhor lida com a componente familiar dentro da sua empresa?
VILMAR – Primeiro, quando eu tinha sete irmãos na empresa foi realmente difícil. Meus irmãos queriam mandar mais do que eu e sendo meus funcionários. Mas um dia eu dei um murro na mesa e disse: “de hoje em diante eu sou o dono dessa empresa”. Porque eu estava realmente sofrendo muito. A gente começou a montar negócio para eles e a profissionalizar a empresa. Hoje só temos aqui a nossa diretora uma irmã (Maria Ferreira, conhecida por todos como Maju) porque ela conquistou espaço. E uma filha. Não fui eu que dei espaço para elas. .E quem tava por emoção saíram todos.
OP – Como o senhor está tratando sucessão familiar na empresa? Sua filha é sua sucessora natural?
VILMAR – Olha, foi como falei. A Aline conquistou o espaço dela. Ela veio conquistando. Para meu filho mais velho sim, dei mais espaço pra ele ofereci muitas condições pra ele, mas depois eu vi que realmente quem é empresário empreendedor não pode usar emoção. Pai é pai, negócio é negócio. Hoje meu filho que tem uma empresa em São Paulo e cuida dela, tem uma que mora nos EUA e a Aline conquistou esse espaço. E eu achei legal da Aline é que uns quatro cinco anos atrás eu disse “minha filha, o pessoal começou a elogiar, até o próprio Ian. “Olha, a Aline está desenvolvendo bem, parece que tem condições de ser tua sucessora e tal, bom a gente trabalhar dar mais atenção e tal”. Ai eu chamei ela (sic) e pra conversar e disse: “minha filha, nosso diretor e colegas aqui tão dizendo que você tem perfil pra conquistar esse espaço”. Aí ela me conquistou quando disse: “não, pai, deixa que quando tiver na hora o senhor analisa a gente, os três filhos”. Eu contrato uma empresa, ela analisa, de repente nenhum dos três, se nenhum dos três tiver competência o senhor contrata uma pessoa de fora pra dar continuidade à sucessão da empresa. Aí a partir daí ela me ganhou mais ainda. Comecei a prestar atenção mais nela e deixar conquistar, agora eu estou chamando ela mais pra conversar, mas deixei conquistar. Ian (Correa, vice-presidente) e os outros diretores têm dado muito apoio e estou sempre buscando mais. O tempo dela é curto e eu digo: “minha filha, escuta aqui teu pai, vem pras reuniões, pra poder você aprender mais coisa”. Tenho 65 anos vou fazer 66 e ainda hoje eu aprendo com meus funcionários, amigos, aprendo a escutar, com a imprensa, aprendo vendo a questão política. Esta crise está me ajudando mais ainda porque eu gosto de economia.
OP – Certa vez, Aline contou ter ouvido uma conversa quando ela tinha 8 anos. O senhor lembra?
VILMAR – Pois é, ela guardou isso em segredo. Sofreu muitos anos e não sabia que ela sofreu. Ela ficou com uma queixa de mim. Parece que eu falei que não era a filha que eu mais amava, alguma coisa assim. Não lembro bem. E ela era caçula. Na verdade em 1990 eu sofri um acidente muito grave e ela com 10 anos de idade – mais ou menos – me deu tanto apoio. Foi dos três quem me deu mais apoio. Ela conquistou meu coração ali e vou dizer. Meus filhos são abençoados. Nenhum me decepcionou. São filhos maravilhosos. Depois fui saber que ela tinha uma queixa, que eu era mais apegado aos outros dois (risos). E agora ela conquistou e acho que isso deu força a ela. Já vi até ela chorar comentar isso numa palestra dela.
OP – A sucessão depende dela, do momento que estiver pronta ou na hora que o senhor achar que não é mais seu tempo de estar aqui, de se dedicar tanto à empresa?
VILMAR – Eu só vou ter mais uma segurança, que é ela, e estou mais convencido que é ela porque os outros dois também já apoiaram e reconheceram que ela é mais preparada. Se os outros e a mãe também reconhecem, então não tenho mais como avaliar, só tenho como esperar que ela conquiste mais espaço. Depende dela.
OP – O que ainda é sonho para quem chegou aonde o senhor chegou? O senhor ainda tem sonhos?
VILMAR – Tenho!
OP – Quais são?
VILMAR – O meu maior sonho é ver a sociedade bem. Minha família já está bem, graças a Deus. E é pra isso que a gente vai trabalhar, continuar trabalhando, pra ver o Nordeste bem. Nordeste que nos últimos anos ia crescendo mais que a média do Brasil. Meu sonho é esse, ver o Nordeste crescendo mais do que o Brasil, Agora se a gente não tomar cuidado, nós podemos voltar novamente a ser o nordestino do passado, continuar ganhando renda per capita 50% do que tem o Centro-Sul. Isso é meu sonho, que se aproxime. Nem que seja daqui a um século.
OP – Mas empresarialmente o que você projeta de sonho?
VILMAR – Continuar crescendo, com mais cautela agora porque não se pode confiar mais no Governo. Nossa meta agora é diminuir o passivo financeiro para poder continuar crescendo. Eu fui muito arrojado e acho que esse meu arrojo ajudou a crescer, mas também me trouxe dor de cabeça e crise. Acho realmente que o Ivens Dias Branco e o Grupo Edson Queiroz são duas lições muito grandes, boas, pra você ter uma empresa mais sólida, mais capitalizada e com mais liquidez.
OP – Falando de Nordeste, Ceará e do próprio Ivens, ele contava que no começo teve de esconder a origem da empresa. Punha nas embalagens BR-116, omitindo o Ceará. E vocês trazem “cearense” no nome. O que isso significa?
VILMAR – Você agora me fez uma pergunta maravilhosa, porque pra mim foi surpresa muito grande. E eu tive uma decepção realmente em 1990 quando eu sofri muito a concorrência. No início da década, ainda começou em 1986 essa concorrência forte. Eu disse: “não vou botar empresa em São Paulo, em São José dos Campos”. Isso em 1990, 1991. Com dois anos minha empresa, se eu não tivesse saído de lá, tinha quebrado. Mas eu sou determinado, botei, com dois anos não deu, saí, me apertaram, me apertaram lá que eu tive que sair. Então eu vi que um nordestino era discriminado naquela época. Hoje não, pelo contrário. Hoje tenho orgulho. Nordestino já é respeitado e graças ao Aço Cearense ainda mais respeitado no ramo do aço. Porque ninguém acreditava na Aço Cearense. Hoje conquistamos o Brasil e vendemos de Manaus (AM) a Porto Alegre (RS). Nós temos credibilidade no mercado. Nossa logística dizem que é a melhor do Brasil. Até concorrentes grandes, grandes siderúrgicas reconhecem isso e o nosso cliente reconhece isso. O aço da Sinobras, que diziam não ser bom, assim que inauguramos, pelo contrário, hoje é o aço do Brasil.E começou com São Paulo. Foi o paulista que valorizou nosso aço. A certificação atesta que é um dos melhores aços que eles tinham certificado no Brasil.
OP – O que significa uma siderúrgica gigante como a CSP no Ceará para o seu setor?
VILMAR – Para o Ceará a CSP foi de suma importância porque ela, mais importante ainda é a laminação que a gente ia fazer, mas com a crise interrompeu. Então só Deus sabe, quando a crise passar a gente pode continuar o projeto. Mas a CSP é de uma importância muito grande pro Ceará, está gerando empregos para o Ceará, mas em triplicidade tem que ter laminação. A laminação porque esse aço é feito em placa e está sendo exportado. Inclusive a Aço Cearense poderia absorver hoje 30% dessa capacidade dela. Nós temos capacidade já instalada para 30% de tudo que se produz da placa, só que falta laminação, e não temos hoje capital nem crédito para poder botar. Seria um bilhão de dólares, para a capacidade de 30% de placa de absorver essa placa. Mas se a gente trabalhar, vamos continuar e quem sabe não realiza esse sonho do cearense. No Norte e Nordeste não há laminação, siderúrgica de planos. Só no Centro-Oeste, Centro-Sul. Mesmo que não seja a Aço Cearense, que seja qualquer um. Na hora que tiver, que a placa for laminada no Ceará, você vai ver como vai explodir a economia do Ceará e do Nordeste.
OP – Este projeto de laminação seria com a Posco?
VILMAR – Seria. Mas este projeto está abortado. Até porque a crise do aço não é só no Brasil, é mundial. Mas já melhorou. A China já resolveu a subir preço.Acho que a China vai continuar subindo e isso vai viabilizar esse projeto.
PERGUNTA DO LEITOR
VALDELÍRIO SOARES
Empresário
Na jornada de menino pobre a grande industrial você aprendeu muitas lições. Qual aquela mais valiosa que você compartilharia com jovens que estão botando o pé na estrada do empreender?
Eu digo Valdelírio, que conheço ele e gosto dele, que você fazer tudo com prazer. Primeiro ter prazer com o que faz, se divertir, tem gente que se diverte com esporte, coisa assim, jogos, eu não. Eu me divirto trabalhando. E acho que quem se diverte trabalhando tende a crescer mais do que o concorrente porque nós hoje vivemos é uma locomotiva atrás da gente e a gente vai na frente. Se você escorregar e a locomotiva passa e lhe esmaga. Tem que procurar fazer o melhor. Quem vai empreender deve analisar porque não é todo mundo que nasceu para ser empreendedor. Às vezes tem vontade mas não é a vocação. Tem que ter cabecinha bem aberta com raciocínio bom e ganhar credibilidade. Hoje não dá mais pra ser aventureiro, querer ganhar só no bico, levar os outros. Não. Minha meta foi ser honesto com cliente e fornecedor. Eu trato meu fornecedor tão bem, tão bem quanto meu cliente. Não adianta dizer “Ah meu cliente que manda”. O cliente manda desde que me dê algum lucro, mas tenho que ter preço, qualidade e serviço para atender bem.
Fonte: O Povo